quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

NÍVEIS DE CARIDADE


 
“Toda moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, quer dizer, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho.”



Certa vez, São Vicente de Paula estava na rua próxima a seu trabalho social quando percebeu que a carruagem real se aproximava e estava manobrando para estacionar. Era uma oportunidade impar de tentar um socorro às inúmeras dificuldades que encontrava de amparar seus irmãos em sofrimento. Apressou-se e, com muito custo, conseguiu vencer a isolamento da guarda real para dirigir a palavra ao príncipe:


E, cheio de esperança, estendendo-lhe a mão aberta, fundeada por um sorriso doce.


- Príncipe, que podes dar para meus pobres mendigos? 


O príncipe olhou-o enojado pela insolência da abordagem intempestiva e, com asno, cuspiu-lhe na mão estendida para humilhá-lo e o fazer desistir do pleito inconveniente. Espírito altaneiro, São Vicente fechou a mão, recolheu-a tranquilamente e estendeu a outra, novamente aberta, sem demitir o sorriso fraternal, e encarando-o falou-lhe:


- Isto é o que eu mereço. 
Mas diga-me honrado príncipe, que podes dar para meus pobres mendigos?


Golpeado pela atitude magnânima de humildade, o príncipe sentiu fugir-lhe o sangue e constrangido, reconheceu naquele ser miserável um rico de espírito. Dali em diante, passou a ser o maior colaborador da bela obra de São Vicente de Paula. Temos no relato acima, um exemplo paradigmático de um homem que soube calar seu ego para viabilizar a caridade. Quantos de nós teríamos feito o que São Vicente fez ou, noutra dicção, quantos de nós não teríamos revidado a agressão, quiçá de forma mais hostil? Ampliando a reflexão, podemos também perguntar: quantos de nós se propomos encarar dificuldades para fazer a caridade? Superficialmente, a maioria das pessoas se propõe a fazer o bem na forma de caridade. 

- Mas porque tantas se limitam à caridade mais simplória? 
- Por que tantas desistem diante das primeiras dificuldades?


Na parábola crística do semeador, podemos identificar alguns níveis psicológicos que revelam, sabiamente, nosso comportamento. 

Estudemos:

As sementes que caíram no caminho e foram comidas pelos pássaros, atestam o psiquismo desatento à palavra evangélica, vulnerável ao ataque das trevas. É o primeiro nível, o da motivação egoística. 

No primeiro nível - muitos ainda têm coração de gelo, são indiferentes ao próximo, movidos unicamente pelo ego, senhor de seus interesses. Neste caso, a caridade – quando praticada - é para tirar alguma vantagem pessoal. Muitas vezes, floreada com um discurso solidário e humanista, tem-se no ato um cálculo dos benefícios que pode auferir para sua imagem, projetos e empreendimentos. Vê nos que ajuda pobres coitados, mas por eles não sente nada que vá além da pena momentânea, logo vencida pela indiferença cotidiana. Quando a caridade já não se lhes revela vantajosa, quando os problemas se multiplicam, logo se afastam. As sementes que caem entre as pedras e, não tendo raízes, foram queimadas pelo Sol, denunciam um psiquismo que já é tocado pelos valores mais elevados, mas que ainda não encontra solo fértil suficiente para germinar raízes mais profundas. Obstáculos e dificuldades o fazem desviar do bom caminho.

É o segundo nível - o da motivação cultural. Estas pessoas fazem caridade para cumprir com deveres sociais e religiosos, para se sentirem aceitas em sociedade, para atenderem certas expectativas, regras e modismos. Neste caso, a vontade de fazer a caridade nasce por ter visto um filme, um documentário, uma palestra ou para não ser criticada, para não se sentir inadequada no seu meio. Sensibilizada momentaneamente, tem vontade de ajudar. Já não busca uma vantagem pessoal, mas sua motivação é episódica, superficial, sem raiz, por isso passageira. 

Algumas já têm vontade de começar algum trabalho, mas alegam que não sabem como ou que nunca têm tempo. Quando enfim começam, abandonam e ficam o tempo todo prometendo voltar. Essas pessoas vêem na pessoa ajudada, um desafortunado que merece apoio, mas seu sentimento ainda é mais de pena, do que de compaixão. Por isso, seus atos de caridade não são duradouros, por não acreditar que aquele a quem ajuda, pode erguer-se do fundo do posso. As sementes que caem entre espinhos que as sufocam, quando crescem, indicam aqueles que tombam não por falta de noções espirituais elevadas, mas por se deixaram envolver demais com as preocupações do mundo material.

É o terceiro nível - o da motivação idealística. Trata-se de um nível psicológico mais profundo, refinado. Incluem-se neste grupo as pessoas que percebem a caridade não como uma forma de auferir vantagens, como um dever social, mas como uma prática espiritual, não necessariamente religiosa, eis que há pessoas sem religião e caridosas neste nível. Fazem o bem não apenas porque se sentem espiritualmente plenas, mas porque reconhecem no irmão em sofrimento um igual, um ser humano e espiritual credor de respeito, dignidade e amor. 

Já não sentem pena, sentem empatia pela dor do outro, e nutrem pelo sofredor compaixão, ou seja, sabem que a dor e o sofrimento são terapias necessárias, mas que – nem assim – justificam o abandono, a indiferença, a omissão, por isso não perdem a oportunidade de ajudar. Contudo, não conseguem se dedicar plenamente à caridade. As preocupações do mundo tomam expressiva parte de seu tempo e, por esta razão, acabam praticando a caridade nas folgas, nos horários vagos, nos finais de semana, embora já tentem exerce-la no convívio cotidiano com seus amigos, familiares, colegas de trabalho, com estranhos.

Por fim, as sementes que caem em boa terra e frutificam em larga messe, revelam um solo fértil, preparado para germinar as grandes potências do espírito.

É o nível mais puro - o da motivação amorosa. Neste ambiente só respiram os santos, os espíritos superiores. São facilmente reconhecidos pela capacidade de renúncia, desprendimento, sacrifício, dedicação à caridade, a causas humanitárias relevantes. Jamais buscam vantagens e reconhecimento – embora sejam admirados por milhares de simpatizantes -, fazem muito mais do que os deveres sócias exigem e dedicam suas vidas, totalmente, a fazer o bem. Vêem no sofredor um irmão, filho de Deus. 

Não há nada que os faça desistir, recuar no bom combate. São Vicente de Paula, Madre Tereza de Calcutá, Chico Xavier são apenas alguns exemplos. Chico – o homem amor, viveu para o bem. Doou toda a arrecadação da venda de seus livros a instituições de caridade e, mesmo aos 90 anos, debilitado, não deixou de distribuir amor. 

Madre Tereza, a mãe dos pobres, deu dignidade a milhares de hansenianos e miseráveis. Certa vez, recebeu a visita de um repórter de um grande jornal americano. Ao adentrar na casa de caridade onde jaziam dezenas de enfermos agonizantes, fétidos e lamuriosos, afirmou, referindo-se ao trabalho de caridade praticado ali: 

- Não faria isso nem por um milhão de dólares. 

Madre Tereza o olhou com compaixão e retrucou: 
- Nem eu!

E você, o que faria? 
A que nível pertence?


Desconheço a autoria.



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A caridade não brilha unicamente na dádiva. Destaca-se nos mínimos gestos do cotidiano.

Emmanuel